quarta-feira, 17 de agosto de 2011

00:01

Foi hoje, filha. Há 3 anos atrás.

Faz dois anos que ensaio pra te escrever essa carta. No primeiro ano, eu estava com muitas coisas na cabeça pra me concentrar. Foi um período difícil aquele e se você quiser, um dia eu te conto o porquê.

No segundo ano, eu pensei demais, e acabei perdendo o momento. Mamãe e papai trabalhavam loucamente pelos primeiros anos da sua vida, e a cabeça sempre estava cheia de pensamentos. E entre tentar lembrar de todas as coisas práticas que precisavam ser feitas e lembrar de sonhar, nunca sobrava tempo (ou cabeça) para os pequenos gestos, como te escrever uma carta. Espero que você nos perdoe por isso também, dentre as coisas todas que sua "lista de coisas a perdoar nos pais" vai levar, assim como a de todo mundo.

Sim filha, todos os pais erram, e nós também.

Agora eu tampouco deveria estar te escrevendo, pois já passa da meia noite e amanhã eu acordo cedo. Mudei toda a minha rotina pra poder estar mais tempo com você, e isso tem nos feito muito bem.

É importante que você saiba que foi muito desejada, não só por seus pais mas por todos à sua volta. Você foi, e sempre será, muito bem-vinda à esse entorno que te recebeu.

Estou te escrevendo pois queria que você soubesse, quando crescesse, como você era quando pequenininha. Como tenho cabeça-de-vento esqueço muita coisa (pergunte ao seu pai), mas é engraçado como as coisas relacionadas a você ficam gravadas. É como se fosse genético, seleção natural. Me lembro do que é vital, como respirar, comer ou dormir. E me lembro tudo de você.

Lembro do primeiro banho que te dei, e do medo que sentia que entrasse água nos seus ouvidos. Lembro que, por muito tempo, não deixei ninguém além de mim mesma dar banho em você e sua avó Marisa não me perdoa até hoje por isso. Acho que era sonho antigo dela dar banho em um netinho, mas enfim. Lembro dos barulhinhos que você fazia depois do banho, após os dois meses. Foi quando você começou a "falar".

Me lembro da sua mãozinha enfiada no meu peito toda vez que você se aconchegava, fosse pra mamar ou dormir. Era a melhor sensação do mundo, aquela de te dar aconchego. Eu me sentia um gigante. E você parecia curtir bastante também.

Me lembro da primeira vez que você comeu algo que não era leite. Era mamão papaia, você pareceu gostar do gosto. Mas não sabia o que fazer com aquilo maciço dentro da sua boca, então ficava lá com a boca aberta e cara de interrogação. E quando se ligou que dava pra engolir, engasgou. Deve ser estranho mesmo... mas eu sei que eu só conseguia dar risada da sua desgraça... me desculpe por isso também, filha.

Me lembro da primeira vez que disse "mamãe": você estava sentada no tapetinho de brincar na sala, e eu sentada no sofá. Como sempre, você começo a pedir colo, fazendo aquele chorinho manhozo que até hoje você faz. Daí eu disse: "eu te pego se você disser MAMÂE". E você: "MAMÃÃÃÃÃÃ... esticando os bracinhos e choramingando ainda mais. Eu te peguei no colo e comecei a chorar e rir ao mesmo tempo. Eu ganhei, você disse mamãe antes que papai!! hahahaha

Me lembro do primeiro dia em que tive que te deixar no berçário e sair. Gil, Wanda e Vanessa haviam me dado toda a segurança que era possível, e eu parecia estar firmona... até que sentei no carro, engatei a primeira e... estanquei. De repente, estorou um alerta vermelho dentro de mim, dizendo que algo importante havia ficado para trás, como um braço, ou uma perna. Não era braço nem perna... era você.

Tudo passou em câmera lenta, até que você completou um ano. O primeiro dentinho, o dia em que você levantou a cabeça, o dia em que você sentou, rolou, o dia em que você engatinhou, os seus primeiros passinhos, quando você aprendeu a brincar com os gatos, as primeiras palavras... tudo isso aconteceu no primeiro ano. Quando esse ano acabou, também eu e você passamos por um período de transição. A gente descobriu que a gente se bastava, mas apesar disso, não queríamos estar somente nós.

De um a dois anos tudo aconteceu muito rápido, foi uma loucura. De repente, você já andava sozinha. De repente, você já falava no telefone. De repente, já desenhava, e foleava livros.

Cantava, o tempo todo. A primeira vez que eu te peguei cantando algo que eu identifiquei, foi no meio de uma arrumação. A caixinha com as suas coisas de toalete havia ficado no chão. Eu estava no meu quarto e ouví, vindo de lá do seu: "É inho... no bombô!" e o bater de um perfume no chão: "pápápá!".

Lá pelos dois anos e meio, começou o que eu descobri depois que vinha a ser a "adolescência da infância", e você, minha filha, honrou a cada milímetro o termo. Acho que foi praga da minha mãe, aliás tenho certeza, pois ainda ouço nitidamente no fundo dos meus ouvidos minha mãe dizendo: "a vida te ensina, minha filha. Um dia você terá filhos". Pois é.

Assim que percebeu que podia andar sozinha, o que te permitia o direito de ir e vir, e aprendeu, não só a dizer a palavra "não" (pois essa é uma das primeiras que vocês aprendem, humpf), mas que ela te dava o poder de efetivamente não fazer algo que você não quisesse, ou de fazer algo que alguém não quisesse, você pôs em prática toda a força de seu temperamento, e lutava por cada coisinha como se fosse pela sua vida. Mesmo as batalhas perdidas, e inglórias, contra você mesma - como subir uma escada, ou lamber a descarga - eram batalhas a serem vencidas. Foi aí que nós, eu e seu pai, começamos a nossa batalha, para que você transformasse toda essa energia raivosa - dos seus gritos e explosões - em uma energia contrutiva, que faça com que você batalhe viementemente por algo que acredita, e nunca desista. Quem vê você hoje batalhar por algo, pensa que você nunca ouviu a palavra "não" na vida, minha filha. Mas eu te garanto que você ouviu. E garanto que fui coerente em 100% dos meus "nãos", cumprindo sempre com o combinado. Mas pasme, isso não faz com que você resista menos, na hora de sair do banho, trocar de roupa, guardar os brinquedos, ou qualquer uma das outras lutas inglórias que te parecem tão vitais.

Agora deixa eu te contar um pouco da sua alma.

Você, olhos brilhantes (como diz a Miki), é um serzinho que, desde que o dia em que nasceu, atrai pra sí tudo e todos os que estiverem à sua volta. Imagine pra mim, leoa super-protetora que sou, o que foi no seu começo, quando até as enfermeiras do hospital pareciam não querer te largar. Amigos faziam fila pra vir em casa te visitar; uma, duas, muitas vezes. Parentes tramavam para estar por perto, ou pra te ter no colo. E eu, mãe de primeira viagem, só queria poder lamber minha criar em paz, mas que remédio, tinha que te dividir com o mundo! Lá pelas tantas, mais ou menos quando você estava com um ano e meio e eu me dei conta de que você não precisava mais da minha super proteção pois deixava BEM claro quando algo te incomodava, percebi que esse papel, de "luminária", que atrairia todos à sua volta que precisam de luz, havia sido escolhido por você. E aceitei, por mais difícil que isso seja pra mim até hoje. Creio que sempre será, pois mãe nenhuma quer dividir a cria com o mundo. Mas algo me diz que é bom eu me conformar, e rápido. Sabe-se lá o que o destino reserva pra você, e o que quer que seja, que estejamos preparadas, eu e você.

Então, filha minha, onde quer que a gente vá, as pessoas se colocam a te dizer o quanto você é linda, o quanto você é especial. As pessoas perguntam de você o tempo todo, mesmo as que só te viram uma vez. As pessoas tiram fotos suas, no restaurante, na rua. É uma doidera.

O mais legal é que você parece ter plena consciência disso. Uma vez em Salvador, estávamos no elevador do hotel, e pra variar um casal te encarava e te sorria. Como sempre. E como sempre, disseram: "Nossa, como você é linda!", ao que você respondeu: "Eu sei....". Você parece saber que seu carinho muda o dia de qualquer um. Você parece saber que, se falar com uma pessoa que está triste, mesmo que ao telefone, ela vai sorrir. Você, no alto dos seus 3 anos de idade, parece já saber a que veio.

Essa maturidade toda também faz com que nós, seus pais, vivamos situações que não esperávamos viver antes da sua adolescência. Eu não esperava que você me magoasse, por me xingar ou bater, por ser ingrata ou petulante, até que você tivesse no mínimo uns 9 anos. Pois é, eu me enganei. Até isso nós já tivemos, filha querida, você já me magoou. Espero que quando sua adolescência chegar, eu já esteja craque no assunto. Por enquanto ainda dói. Assim como eu sei que deve doer na minha mãe até hoje quando eu a magoo por algum motivo. Deve fazer parte da maternidade isso, de ter tanto amor por uma pessoa que mágoa menhuma consegue mudar. O amor e a dor andam de mãos dadas, desde que o dia em que você veio pro meu canguru.

Eu ainda tenho muito pra conhecer sobre você, pequetita. A cada dia, você me parece uma pessoa diferente, é incrível isso. Será que será sempre assim? Não sei... me pergunto. Mas é excitante a sensação de que você guarda um oceano aí dentro. Nossa vida nunca mais vai ser a mesma, nem mesmo amanhã.

Hoje você já faz a letra do seu nome, já desenha pirulitos. Já fala algumas palavras em inglês, e espanhol. Já sabe o que é amar alguém. Já passa maquiagem e esmalte. Já vai no banheiro sozinha, e se alimenta sozinha também. Já pede por um irmão, e como ainda não tem, delega irmãos entre seu amigos. Sim, você tem amigos, à quem ama e valoriza muito. Já sente saudade, e diz que a sente. Já entende, do seu jeitinho, o que é a morte, e que infelizmente, por maiores que sejam as asas que você venha a ter, não irá poder alcançar o céu. Já sabe contar até trinta. Já sabe o que é a gratidão, o reconhecimento. Já sabe dar valor ao que tem, pois já entende que nem todos têm.

Hoje, no dia em que faz 3 anos em que eu passei 20 horas em trabalho de parto, pra no final você vir de cesárea mesmo - e aguarde, pois você ainda vai me ouvir dizer muito isso pra você, essa é minha grande moeda de troca! - eu só posso te dizer que me esforço a cada dia para ser uma pessoa melhor, pra que você tenha os melhores exemplos. Orar para que a nossa sagrada mãe Maria esteja sempre ao se lado, onde e quando eu não puder estar. E pra que meus erros, hija mia, talhem em você tudo aquilo que você precisa aprender pra enfrentar na vida o que você fatalmente irá enfrentar, simplesmente por viver. Pode ter a certeza, sempre, de que sofrimento nenhum que você venha a sentir irá se igualar ao que eu sinto por te ver sofrer. E que, haja o que houver, escolha os caminhos que escolher, eu vou sempre, SEMPRE, ter orgulho de ser a sua MÃE.

Com amor, Amanda.

4 comentários:

parla marieta disse...

nossa, arrepiei grande, aqui.
PARABÉNS, AMANDA E MARCUS.
PARABÉNS QUERIDA ALICE.
tia Mariazinha te ama.

Be a Diva! disse...

Amandita... lembro de nossas conversas lá na ONG qdo vc falava do seu "amor" e de como planejava a vida e juro que em nenhum momento, eu achei que choraria te vendo escrever sobre ela. Que coisa linda. Que você escreva muitas e muitas cartas para sua pequena.
Um beijo grande, Érica Santos

Aline Cortes disse...

Que lindo! Uma amiga indicou este texto e eu me identifiquei demais nele. Tenho uma bebê de 7 meses que é a minha vida e a cada dia que pssa é uma experiência nova e uma mistura nova de sentimentos. Parabéns pelo texto e pela princesinha...

Aline
www.decaronanacegonha.blogspot.com

Anônimo disse...

Meus olhos encheram de lágrimas... que mensagem linda, amiga... Parabéns para a Alicinha e aos queridos papai e mamãe! Que ela continue dando muitas e muitas alegrias a vocês! Bjks, Tia Lu Lyra